(Onde e como encontrar segurança hoje em dia. Ano Novo, 1965.)
Estamos na época de aumento de consumo de bebida alcoólica e de estômagos doentes, de pequenas anedotas e historinhas edificantes. Quem se leva um pouco a sério decide tornar-se um sujeito decente no ano que vem, Assim como faz todos os anos nesta época. Quem tem caráter começa a meditar. Quem não tem sente desejo de tê-lo. Todos temos muito trabalho neste período com belas almas.
Até recentemente, também meu amigo Günter era desses que todos os anos sentem esse tipo de nostalgia, em especial a cada fim de ano. Meu amigo Günter tinha saudade da segurança. É compreensível que a cada fim de ano essa saudade crescesse, neste nosso tempo tão feliz... Mas de repente a nostalgia sumiu. Ele não a sente mais, não porque ele tenha morrido. Não, meu amigo ainda vive, e é um homem feliz. Penso apenas que é meu dever de cristão contar sua história, para que outros possam se divertir e se estimular com ela.
Meu amigo Günter era um pequeno empregado numa pequena cidade. Não morava na cidade, mas perto dela. Numa pequena casa com três criancinhas e uma mulherzinha. Eram a sua família. A pequena cidade na qual ele trabalhava ficava junto de uma grande fronteira. E a pequena casa onde ele morava ficava mais perto dela ainda. Todas as manhãs quando meu amigo Günter se dirigia à pequena estação ferroviária para ir até a pequena cidade, andava um pedaço ao longo da grande fronteira. Então, manhã pós manhã, mês a mês, meu amigo Günter viu no nevoeiro matinal, silhuetas gigantescas e ameaçadoras: as escuras sombras dos tanques e canhões, postados em grande quantidade dos dois lados da grande fronteira.
Depois de contemplas essas silhuetas durante alguns meses, todas as manhãs, ele não conseguiu mais dormir. Ficava acordado na cama à noite, refletindo. De todas as regiões inseguras que há no mundo de hoje, refletia ele, esta é a mais insegura. Não se pode nem descrever como é insegura esta região. Se alguma coisa acontecer um dia, todos estaremos mortos tão depressa que antes nem teremos tempo de gritar “Viva!”. Ou “Abaixo tudo isso!”. Mas eu não quero morrer. Nem quero que minha mulherzinha e meus filhinhos morram. Quero segurança. Para minha mulherzinha e meus filhinhos. E para mim mesmo também. Preciso ir embora daqui, refletia meu amigo Günter, preciso sair desse lugar, o mais inseguro da Europa! Mas como?
Ele não tinha dinheiro, e sem dinheiro não há segurança. Então, o pobre-diabo continuou correndo dia após dia para a estação ferroviária, e vendo as silhuetas dos tanques e dos canhões que ameaçava no nevoeiro matinal...
Foi quando (essas coisas ainda acontecem) morreu uma tia rica nos Estados Unidos. Deixara meio milhão de dólares ao seu sobrinho Günter, e meu amigo decidiu emigrar. Com a mulherzinha e os três filhinhos. Agora, pensou, tenho dinheiro bastante para me permitir a busca da segurança. Ainda não sabia ao certo para onde queria emigrar. Desejava ir para onde lhe permitissem a maior segurança. Primeiro, a família foi para os Estados Unidos. Para apanhar todo aquele dinheiro.
O que aconteceu ao meu amigo Günter e sua família nos dois anos seguintes, na procura de segurança, é quase inconcebível. Nos Estados Unidos quase morreram num tufa. Transferiram-se par ao Oeste. No Oeste quase foram escalpelados por índios. Então, foram para o Sul. No Sul quase foram executados como espiões numa dessas muitas pequenas revoluções. Mudaram-se para a Austrália. Lá as crianças caíram numa toca de lebres e quase morreram sufocadas. Tentaram a África, onde, porém havia cobras venenosas que quase levaram a mulherzinha de Günter para a eternidade. Não falemos na Ásia. Lá lhes roubaram a metade de seu meio milhão de dólares, pois chegaram a uma região de catástrofes e não conseguiram (nem com todo o seu dinheiro) comer nada senão arroz durante um bom tempo. E mesmo assim em porções muito pequenas.
Desse modo, meu amigo Günter andou pelo mundo todo em busca da segurança, e ficou doente dos nervos, tinha cicatrizes por todo o corpo e cabelos brancos. Sua mulher e filhos sofriam coisa semelhante. Por fim, não agüentaram mais e decidiram voltar para a pequena casa na fronteira. Por pouco tempo. Para dormirem direito – pois há muito tempo não conseguiam fazer isso.
Voltaram para a pequena casa e ainda hoje estão lá. Não apenas dormem bem. Não – voltaram a morar lá, como antigamente. Todas a manhãs meu amigo Günter vai à estação para ir até a cidade e, como antigamente, vê as silhuetas dos tanques e canhões no nevoeiro matinal. Agora são mais silhuetas ainda. Meu amigo Günter sorri quando as avista. Está dominado por uma calma infinita. Se existe segurança em algum lugar, escreveu-me, é aqui, nesta pequena casa junto da grande fronteira. E acrescenta que nunca foi tão feliz. Pois agora, diz, encontrou sua segurança.
Não a encontrou na Europa, nem na Ásia, nem na África, Austrália ou Estados unidos.
Encontrou-a no único lugar onde a gente pode encontrá-la hoje em dia, quando se tem sorte: dentro de si mesmo.
Bom Deus, permiti que também encontremos segurança neste novo ano, todos nós, os incontáveis milhões de seres humanos que hoje vivemos em pequenas casas na grande fronteira entre a morte e a vida.
Johannes Mario Simmel – Retirado do livro “A Terra ainda é jovem”
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